terça-feira, 8 de dezembro de 2009

IBEDEC alerta candidatos à Casa Própria para que o sonho não se torne pesadelo.

Terça-feira, 8 de Dezembro de 2009

IBEDEC - Instituto Brasileiro de Estudo e Defesa das Relações de Consumo
CLS Quadra 414, Bloco “C”, Loja 27 - Asa Sul – Brasília/DF
Fone: 3345.2492/9994.0518
Site www.ibedec.org.br E- mail tardin@ibedec.org.br

IBEDEC alerta candidatos à Casa Própria para que o sonho não se torne pesadelo.

O crédito aumenta a cada dia, desde a década de 80a não se via tanto recurso disponível. Ao contrário de 20 anos atrás, entretanto, a economia do país não enfrenta grandes oscilações, o índice de correção monetária utilizado na atualização dos saldos devedores, que na época acompanhava a inflação (IPC), foi substituído pela TR, que hoje fica em torno de 2% ao ano, e como o valor da prestação é atrelado ao saldo devedor, as prestações caem ao longo dos meses, sem o risco de haver o chamado resíduo no final do prazo contratual. O sistema de amortização também foi alterado, da Tabela Price, que contabiliza juros de forma geométrica, pelo SAC (sistema de amortização constante) ou SACRE (sistema de amortização crescente).

Mas, segundo José Geraldo Tardin, presidente do IBEDEC “nem tudo são rosas. Se por um lado o mutuário tem a garantia de que o saldo devedor estará quitado ao final do contrato, sem resíduo, também não tem garantia nenhuma de que sua prestação se encaixará em seu orçamento durante todo o prazo contratual, como ocorria no passado, quando os reajustes das prestações obrigatoriamente deveriam observar os reajustes salariais ou a renda familiar do mutuário, como no caso do plano de equivalência salarial (PES) ou do plano de comprometimento de renda (PCR). Caso a TR volte a ser um índice de remuneração e não de correção, como na década de 90, quando foi criada, todo o sistema financeiro da habitação estaria comprometido”.

“Além disso, a taxa de juros de outrora ficava abaixo das oferecidas nos dias de hoje, os valores dos imóveis não estavam em patamares tão elevados (fator provocado justamente pelo montante de crédito disponível), e não existiam tantos abusos como os de hoje na hora de fechar o contrato. Para se ter uma idéia, só a Caixa tem uma coleção de 5 (cinco) tarifas diferentes, com nomes e finalidades das mais criativas possíveis, "taxa de pesquisa cadastral", "tarifa operacional", "taxa à vista", "taxa de administração” e “taxa de risco de crédito”, cobradas no momento da assinatura e no desenrolar do contrato, isso sem contar a venda casada de produtos como a abertura de conta-corrente na instituição para a diminuição da taxa de juros, por exemplo”.

Tardin lembra “que o mutuário também é consumidor, e por esse motivo tem todas as garantias trazidas pelo Código de Defesa do Consumidor, sendo que as práticas abusivas podem ser revistas judicialmente a qualquer momento, e vão desde a exclusão da cobrança de taxas abusivas até a facilitação da defesa judicial e inversão do ônus de produção de provas em processos”.

A taxa de juros varia de instituição para instituição, embora a origem dos recursos no SFH seja a mesma (poupança ou FGTS). O Banco do Brasil, por exemplo, inicia esta semana a oferta de crédito imobiliário, com juros que podem ser interessantes para imóveis de maior valor ou com taxa pré-fixada.

Por fim, o IBEDEC apresenta algumas dicas, para que o futuro mutuário não transforme o sonho da casa própria em um pesadelo:

Imóvel na planta e em construção

Nas duas primeiras modalidades, é firmado um contrato de promessa de compra e venda, entre o comprador (promitente comprador) e o construtor (promitente vendedor), que pode ser a vista ou parcelado (financiado).

Nesse caso, é ideal que se tome alguns cuidados:

- informe-se sobre a idoneidade do construtor, o que pode ser conseguido através de uma pesquisa no Procon, por exemplo, problemas como atraso na entrega da obra e/ou vícios de construção são um mau sinal;
- visite outros empreendimentos do construtor para verificar o material / acabamento utilizado;
- como nesses casos ainda não existe o habite-se (documento expedido pela Prefeitura ao final da obra com o OK acerca da construção, liberando o registro no empreendimento no Cartório de Registro de Imóveis para que possa ser lavrada a escritura do bem), é interessante verificar os documentos relativos ao imóvel (terreno), os quais ficam arquivados no Cartório de Registro de Imóveis, e apresentam dados acerca da metragem, o registro da incorporação, além informações sobre a situação jurídica;
- exija do vendedor cópia do projeto arquitetônico aprovado pela Prefeitura (alvará de construção);
- visite a obra periodicamente;
- guarde todos os documentos possíveis relacionados ao empreendimento, como propostas e panfletos de propaganda, isso garante o comprador em caso de não cumprimento do prometido;
- em caso de vício de construção ou não cumprimento do contrato, procure um advogado, o Código de Defesa do Consumidor prevê que o prazo para acionar o construtor é de 5 anos, contados a partir da data em que o proprietário tomou ciência do problema.

Em caso de compra que não seja à vista, e como ainda não existe o habite-se, é comum que o comprador opte pelo financiamento direto com o construtor, nesse caso:

- fuja desses contratos, os juros que em média ficam em torno de 6 e 8% ao ano, para imóveis até R$ 250 mil em financiamento com bancos, saltam para 12% nos financiamentos diretos com construtoras;
- a correção monetária dessa modalidade de financiamento é feita por índices como INPC, IGP-M, CUB, entre outros, enquanto que a correção no SFH (sistema financeiro da habitação) é feita pela TR, que nos últimos anos tem ficado em torno de 2% ao ano, praticamente 1/3 do INPC, por exemplo;
- nos contratos do SFH feitos pelo plano SACRE, as prestações tendem a se manter com os mesmos valores, enquanto as prestações do construtor chega a dobrar a cada 5 anos, portanto não comprometa mais que 15% do seu orçamento no pagamento da prestação;
- no SFH é obrigatório o seguro da dívida por morte ou invalidez permanente do mutuário, garantia que não existe na promessa de compra e venda;
- dessa forma, tão logo seja concluída a obra, transfira o financiamento para uma instituição financeira vinculada ao SFH, utilizando o FGTS como entrada;
- lembre-se que até a entrega das chaves o promissário comprador não terá a posse do imóvel, ou seja, continuará arcando com eventual aluguel e a prestação do consórcio.


Imóveis prontos

Com relação ao imóvel.

- o principal documento a ser analisado é a certidão de matrícula, que traz informações acerca proprietário (vendedor), a metragem e confrontações do imóvel, se há vaga de garagem (quando apartamento), e a situação jurídica, por com informações sobre eventual penhora, hipoteca ou outro gravame;
- mesmo assim, é importante verificar junto ao Judiciário se o proprietário tem alguma pendência que envolva o imóvel;
- certifique-se que não existem débitos de condomínio e IPTU;
- cuidado: detalhes como acesso (trânsito), infra-estrutura do bairro (existência de padaria, farmácia, hospital, delegacia, escola, etc), segurança e barulho são questões que podem fazer com que o sonho se torne um pesadelo.

Em caso de financiamento.

- opte sempre por instituições que trabalham com o Sistema Financeiro da Habitação;
- pesquise taxa de juros nas diversas instituições financeiras;
- utilize o FGTS sempre que possível, fazendo amortizações extraordinárias sempre que possível (2 em 2 anos);
- economize por um período anterior à compra, financiando o menor valor possível, a compra à vista é sempre a melhor opção;
- não comprometa mais que 20% do orçamento familiar, lembre-se que não está fazendo um financiamento de um eletrodoméstico, que – em geral – é pago em alguns meses, mas um financiamento que poderá durar mais de uma década;
- cuidado com os prazos muito longos, os financiamentos de imóveis em 30 anos – prazo mais longo disponível em instituições financeiras no país – atrai mutuários porque oferece parcelas menores, mas, ao mesmo tempo, escondem juros e correção monetária mais altos. Isso pode elevar em mais de 200% os valores finais, na comparação com os preços pagos à vista. Um exemplo é o financiamento lançado o mês passado pela CEF, neste caso, tomando o exemplo de um imóvel de R$ 60 mil, onde o mutuário financia R$ 47 mil, com entrada de R$ 13.000,00, o valor pago no final dos 360 meses é de mais de R$ 120.000,00, ou seja, mais 250%;
- verifique no decorrer dos meses se o valor da prestação está sendo suficiente para quitar os acessórios do contrato (juros, correção monetária, seguro e eventual taxa de administração) e amortizar o saldo devedor, em outras palavras, se a dívida está diminuindo no decorrer dos meses;
- se vier a ficar inadimplente ou a dívida se tornar impagável, e o banco se recusar a negociar, procure um advogado, ou poderá perder o imóvel, com todos os seus problemas, a Justiça ainda é a melhor saída, é lenta mais resolve o problema;
- em caso de morte, invalidez permanente, notifique imediatamente, por escrito (e com comprovante de recebimento datado), o banco e solicite a quitação do contrato; o seguro cobre também danos físicos ao imóvel; se negada a cobertura, procure um advogado, o Código Civil prevê que o prazo para notificação é de 3 anos o prazo para requerer a cobertura do seguro por morte e invalidez e o Código de Defesa do Consumidor dispõe que é de 5 anos o prazo para requerer o reparo/reforma necessário.

Consórcios

Pode ser uma boa opção, principalmente se o valor do imóvel for maior e o comprador optar por prazos maiores, mas é importante observar que:

- até a contemplação, o consorciado não terá a posse do imóvel, ou seja, continuará arcando com eventual aluguel e a prestação do consórcio;
- fuja do chamado lança embutido, já que você não usa esse valor e mesmo assim paga os encargos sobre ele;
- pesquise os percentuais das taxas de administração, é um fator determinante, já que o consorciado pagará durante todo o prazo do consórcio;
- informe-se sobre a idoneidade do consórcio, tempo em que está no mercado, uma pesquisa no Procon, é de grande valia;
- verifique qual o índice que atualiza a prestação do consórcio e qual a sua periodicidade, em geral, é reajustada pelo INPC, se somada à taxa de administração, pode compensar mais um financiamento do SFH, principalmente nos casos de imóveis de até R$ 130 mil.


Cuidados com os leilões e feirões

- o imóvel pode ser ocupado pelo antigo mutuário ou invasor, e a obrigação de desocupá-lo é do novo proprietário, nesses casos, se não houver acordo, a briga pode se arrastar por anos na justiça, até que o comprador tome posse do imóvel;
- além disso, o comprador recebe o imóvel no estado em que se encontra (inclusive no que se refere a eventuais débitos com condomínio e IPTU).

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Divórcio: Alteração constitucional e suas consequências

DIVÓRCIO: ALTERAÇÃO CONSTITUCIONAL E SUAS CONSEQUÊNCIAS
Autor: Paulo Lôbo


RESUMO: Investigação das consequencias jurídicas da aprovação em 2009 da proposta de emenda constitucional, que altera os requisitos para o divórcio no Brasil. Sustenta-se a extinção da separação judicial e a revogação das normas infraconstitucionais que a regulam, por total incompatibilidade com a dissolução do casamento pelo divórcio, única via tutelada pela nova redação do § 6º do art. 226 da Constituição. Esclarece-se como pode ser promovido o divórcio, abstraído de causas subjetivas, principalmente da culpa, ou mesmo objetivas.

Palavras chaves: divórcio; separação judicial; casamento




SUMÁRIO: 1. A alteração constitucional; 2. Um pouco da história da "PEC do divórcio"; 3. Extinção da separação judicial; 4. Extinção das causas subjetivas e objetivas; 5. Insubsistência do discrime entre dissolução da sociedade e do vínculo conjugal; 6. Legislação remanescente sobre o divórcio e seus efeitos essenciais; 7. Tipos de divórcio e suas características; 8. Situação dos separados judicialmente e ainda não divorciados; 9. Normas revogadas do Código Civil; 10. Procedimentos do divórcio judicial e da separação de corpos.




1. A ALTERAÇÃO CONSTITUCIONAL

A "PEC do Divórcio" (nº 413-C), aprovada pelo Congresso Nacional em 2009[1], protagoniza a mais simples e intensa regulamentação constitucional da dissolução do casamento por decisão livre dos cônjuges. Fecha o ciclo iniciado em 1977 com a Lei do Divórcio. O parágrafo 6º do art. 226 da Constituição passa a vigorar com a seguinte redação[2]:

"§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio".

Comparemos com a redação originária de 1988:

"§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos".

Ou com a redação da Constituição de 1967-69, introduzida em 1977 em relação ao art. 175:

"§ 1º O casamento somente poderá ser dissolvido, nos casos expressos em lei, desde que haja prévia separação judicial por mais de três anos".

Assim, temos a seguinte evolução:

a) em 1977, a separação judicial era requisito necessário e prévio para o pedido de divórcio, que tinha de aguardar a consumação do prazo de três anos daquela; não havia, portanto, divórcio direto;

b) em 1988, a separação judicial deixou de ser requisito para o divórcio, passando a ser facultativa, tendo duas finalidades: 1. ser convertida em divórcio, após um ano da decisão da separação judicial (ou da separação de corpos), o que a tornava em requisito por decisão dos cônjuges; 2. permitir a reconciliação dos separados, antes do divórcio por conversão; o divórcio direto, por sua vez, dependia de requisito temporal (dois anos) da separação de fato;

c) em 2009, com a "PEC do Divórcio", a separação judicial deixou de ser contemplada na Constituição, inclusive na modalidade de requisito voluntário para conversão ao divórcio; desapareceu, igualmente, o requisito temporal para o divórcio, que passou a ser exclusivamente direto, tanto por mútuo consentimento dos cônjuges, quanto litigioso.

2. UM POUCO DA HISTÓRIA DA "PEC DO DIVÓRCIO"

A "PEC do Divórcio" resultou de proposta elaborada por grupo de juristas, sob patrocínio da Diretoria Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família-IBDFAM, encampada, em 2005, pelo Deputado Antônio Carlos Biscaia (PEC 413/2005), e reapresentada em 2007 pelo Deputado Sérgio Barradas Carneiro (PEC 33/2007). A redação proposta era a seguinte:

"§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio consensual ou litigioso, na forma da lei"

Em boa hora, a Câmara dos Deputados, durante a votação nos dois turnos em plenário, suprimiu as expressões em itálico. Por certo, o texto resultante ficou mais adequado ao espírito da proposta, particularmente no que concerne à remissão à lei infraconstitucional. A norma passou a ter eficácia imediata e direta - e não contida -, sem os riscos de limitações que poderiam advir de lei ordinária, inclusive com a reintrodução dos requisitos subjetivos (culpa) ou até mesmo de prévia separação judicial, o que configuraria verdadeira fraude à Constituição.

É certo que a interpretação histórica ou autêntica é sempre considerada com as cautelas devidas, pois, mais que a mens legislatoris, o direito se afirma com a mens legis. Mas não pode ser desconsiderada. A doutrina especializada confere-lhe importante papel, até mesmo como orientadora da própria mens legis, como procuraremos investigar a seguir. Daí ser imprescindível recordar o cerne da justificativa que fundamentou a decisão do legislador constituinte, contida na proposta de emenda constitucional:

"Não mais se justifica a sobrevivência da separação judicial, em que se converteu o antigo desquite. Criou-se, desde 1977, com o advento da legislação do divórcio, uma duplicidade artificial entre dissolução da sociedade conjugal e dissolução do casamento, como solução de compromisso entre divorcistas e antidivorcistas, o que não mais se sustenta. Impõe-se a unificação no divórcio de todas as hipóteses de separação dos cônjuges, sejam litigiosos ou consensuais. A submissão a dois processos judiciais (separação judicial e divórcio por conversão) resulta em acréscimos de despesas para o casal, além de prolongar sofrimentos evitáveis.

Por outro lado, essa providência salutar, de acordo com valores da sociedade brasileira atual, evitará que a intimidade e a vida privada dos cônjuges e de suas famílias sejam revelados e trazidos ao espaço público dos tribunais, com todo o caudal de constrangimentos que provocam, contribuindo para o agravamento de suas crises e dificultando o entendimento necessário para a melhor solução dos problemas decorrentes da separação".

Extraem-se daí duas significativas finalidades:

I - A extinção da separação judicial;

II - A extinção das causas subjetivas (culpa) e até mesmo de causas objetivas (tempo).

3. EXTINÇÃO DA SEPARAÇÃO JUDICIAL

É possível argumentar-se que a separação judicial permaneceria enquanto não revogados os artigos que dela tratam no Código Civil, porque a nova redação do § 6º do art. 226 da Constituição não a teria excluído expressamente. Mas esse entendimento somente poderia prosperar se arrancasse apenas da interpretação literal, desprezando-se as exigências de interpretação histórica, sistemática e teleológica da norma.

Como se demonstrou, a inserção constitucional do divórcio evoluiu da consideração como requisito prévio ao divórcio até sua total desconsideração. Em outras palavras, a Constituição deixou de tutelar a separação judicial. A consequência da extinção da separação judicial é que concomitantemente desapareceu a dissolução da sociedade conjugal que era a única possível, sem dissolução do vínculo conjugal, até 1977. Com o advento do divórcio, a partir dessa data e até 2009, a dissolução da sociedade conjugal passou a conviver com a dissolução do vínculo conjugal, porque ambas recebiam tutela constitucional explícita. Portanto, não sobrevive qualquer norma infraconstitucional que trate da dissolução da sociedade conjugal isoladamente, por absoluta incompatibilidade com a Constituição, de acordo com a redação atribuída pela PEC do Divórcio. A nova redação do § 6º do artigo 226 da Constituição apenas admite a dissolução do vínculo conjugal.

No que respeita à interpretação sistemática, não se pode estender o que a norma restringiu. Nem se pode interpretar e aplicar a norma desligando-a de seu contexto normativo. Tampouco, podem prevalecer normas do Código Civil ou de outro diploma infraconstitucional, que regulamentavam o que previsto de modo expresso na Constituição e que esta excluiu posteriormente. Inverte-se a hierarquia normativa, quando se pretende que o Código Civil valha mais que a Constituição e que esta não tenha força revocatória suficiente.

No direito brasileiro, há grande consenso doutrinário e jurisprudencial acerca da força normativa própria da Constituição. Sejam as normas constitucionais regras ou princípios não dependem de normas infraconstitucionais para estas prescreverem o que aquelas já prescreveram. O § 6º do art. 226 da Constituição qualifica-se como norma-regra, pois seu suporte fático é precisamente determinado: o casamento pode ser dissolvido pelo divórcio, sem qualquer requisito prévio, por exclusivo ato de vontade dos cônjuges.

No plano da interpretação teleológica, indaga-se quais os fins sociais da nova norma constitucional. Responde-se: permitir sem empeços e sem intervenção estatal na intimidade dos cônjuges, que estes possam exercer com liberdade seu direito de desconstituir a sociedade conjugal, a qualquer tempo e sem precisar declinar os motivos. Conseqüentemente, quais os fins sociais da suposta sobrevivência da separação judicial, considerando que não mais poderia ser convertida em divórcio? Ou ainda, que interesse juridicamente relevante subsistiria em buscar-se um caminho que não pode levar à dissolução do casamento, pois o divórcio é o único modo que passa a ser previsto na Constituição? O resultado da sobrevivência da separação judicial é de palmar inocuidade, além de aberto confronto com os valores que a Constituição passou a exprimir, expurgando os resíduos de quantum despótico: liberdade e autonomia sem interferência estatal.

Ainda que se admitisse a sobrevivência da sociedade conjugal, a nova redação da norma constitucional permite que os cônjuges alcancem suas finalidades, com muito mais vantagem. Por outro lado, entre duas interpretações possíveis, não poderia prevalecer a que consultasse apenas o interesse individual do cônjuge que desejasse instrumentalizar a separação para o fim de punir o outro, comprometendo a boa administração da justiça e a paz social. É da tradição de nosso direito o que estabelece o art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil: na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. O uso da justiça para punir o outro cônjuge não atende aos fins sociais nem ao bem comum, que devem iluminar a decisão judicial sobre os únicos pontos em litígio, quando os cônjuges sobre eles não transigem: a guarda e a proteção dos filhos menores, os alimentos que sejam devidos, a continuidade ou não do nome de casado e a partilha dos bens comuns.

4. EXTINÇÃO DAS CAUSAS SUBJETIVAS E OBJETIVAS

A nova redação da norma constitucional tem a virtude de por cobro à exigência de comprovação da culpa do outro cônjuge e de tempo mínimo. O divórcio, em que se convertia a separação judicial litigiosa, contaminava-se dos azedumes e ressentimentos decorrentes da imputação de culpa ao outro cônjuge, o que comprometia inevitavelmente o relacionamento pós-conjugal, em detrimento sobretudo da formação dos filhos comuns. O princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro, como "absoluta prioridade" (art. 227 da Constituição), dificilmente consegue ser observado, quando a arena da disputa é alimentada pelas acusações recíprocas, que o regime de imputação de culpa propicia.

O divórcio sem culpa já tinha sido contemplado na redação originária do § 6º do art. 226, ainda que dependente do requisito temporal. A nova redação vai além, quando exclui a conversão da separação judicial, deixando para trás a judicialização das histórias pungentes dos desencontros sentimentais.

O direito deixa para a história da família brasileira essa experiência decepcionante de alimentação dos conflitos, além das soluções degradantes proporcionadas pelo requisito da culpa. Os direito legítimos eram aviltados em razão da culpa do cônjuge pela separação: os filhos tinham limitado o direito à convivência com os pais considerados culpados; o poder familiar era reduzido em razão da culpa; os alimentos eram suprimidos ao culpado, ainda que deles necessitasse para sobreviver; a partilha dos bens comuns era condicionada à culpa ou inocência. O Código Civil de 2003 reduziu bastante esses efeitos, mas não conseguiu suprimi-los de todo: o culpado perde o direito ao sobrenome do outro (art. 1.578); os alimentos serão apenas o necessário à subsistência para o culpado (art. 1.694); o direito sucessório é afetado se o cônjuge sobrevivente for culpado da separação de fato (art. 1.830).

Frise-se que o direito brasileiro atual está a demonstrar que a culpa na separação conjugal gradativamente perdeu as consequências jurídicas que provocava: a guarda dos filhos não pode mais ser negada ao culpado pela separação, pois o melhor interesse deles é quem dita a escolha judicial; a partilha dos bens independe da culpa de qualquer dos cônjuges; os alimentos devidos aos filhos não são calculados em razão da culpa de seus pais e até mesmo o cônjuge culpado tem direito a alimentos "indispensáveis à subsistência"; a dissolução da união estável independe de culpa do companheiro[3].

A culpa permanecerá em seu âmbito próprio: o das hipóteses de anulabilidade do casamento, tais como os vícios de vontade aplicáveis ao casamento, a saber, a coação e o erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge. A existência de culpa de um dos cônjuges pela anulação do casamento leva à perda das vantagens havidas do cônjuge inocente e ao cumprimento das promessas feitas no pacto antenupcial (art. 1.564 do Código Civil).

Também são extintas as causas objetivas, ou seja, aquelas que independem da vontade ou da culpa dos cônjuges. Para a separação judicial havias duas causas objetivas: a) a ruptura da vida em comum há mais de um ano; b) a doença mental de um dos cônjuges, deflagrada após o casamento. Para o divórcio direto, havia apenas uma: a separação de fato por mais de dois anos. Todas desapareceram. Não há mais qualquer causa, justificativa ou prazo para o divórcio.

Se houve erro sobre a pessoa do outro cônjuge, revelado após o casamento e utilizado como motivação do pedido, a hipótese é de anulação do casamento e não do divórcio. Portanto, não há espaço no pedido de divórcio para qualquer explicitação de causa subjetiva ou objetiva; simplesmente, os cônjuges resolvem se divorciar, guardando para si suas razões. E podem fazê-lo logo após o casamento, sem aguardar qualquer prazo. Essa circunstância levará certamente ao desuso a anulação do casamento, permanecendo apenas as hipóteses de nulidade, pois estas independem da vontade dos cônjuges. A anulação era utilizada logo após o casamento, principalmente porque não dependia de prazo de separação de fato, que eram requisitos da separação judicial e do divórcio direto.

5. INSUBSISTÊNCIA DO DISCRIME ENTRE DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE E DO VÍNCULO CONJUGAL

Dado o princípio da indissolubilidade do casamento, de origem religiosa, o desquite, que vigorou até ao advento do divórcio no Brasil, em 1977, apenas gerava a dissolução da sociedade conjugal. O casamento ou o vínculo conjugal eram indissolúveis.

Com o fim da indissolubilidade do casamento, a Lei do Divórcio engendrou solução de compromisso entre os antidivorcistas e os divorcistas da época, convivendo, então, as duas modalidades: a dissolução da sociedade conjugal e a dissolução do vínculo conjugal. Como vimos, a Constituição de 1988 manteve essa duplicidade, ainda que favorecendo a segunda.

Agora, com o desaparecimento da tutela constitucional da separação judicial, cessaram a finalidade e a utilidade da dissolução da sociedade conjugal, porque esta está absorvida inteiramente pela dissolução do vínculo, não restando qualquer hipótese autônoma. Por tais razões, perdeu sentido o caput do art. 1.571 do Código Civil de 2002, que disciplina as hipóteses de dissolução da sociedade conjugal: morte, invalidade do casamento, separação judicial e divórcio. Excluindo-se a separação judicial, as demais hipóteses alcançam diretamente a dissolução do vínculo conjugal ou casamento; a morte, a invalidação e o divórcio dissolvem o casamento e a fortiori a sociedade conjugal.

A invalidade do casamento (nulidade e anulabilidade) merece explicação adicional. Suas peculiaridades fazem com que se distancie das regras gerais da invalidade do negócio jurídico, máxime no que concerne à validade dos efeitos do casamento nulo ou anulado (por exemplo, a relação de parentesco entre filhos e pais permanece, após a declaração de nulidade do casamento). Também, o casamento anulável pode ser convalidado pelo tempo ou por vontade dos nubentes (por exemplo, mediante confirmação do que não tinha idade núbil ao se casar, quando atinge a maioridade), ou quando advier gravidez. Todavia, fora dessas hipóteses de convalidação, quando o casamento é declarado judicialmente nulo ou anulado não sobrevive o vínculo conjugal. Assim, a consequência da nulidade ou anulação do casamento não fica contida apenas na dissolução da sociedade conjugal. Incompleto, portanto, o § 1º do art. 1.571 do Código Civil que apenas se refere à morte e ao divórcio como hipóteses de dissolução do casamento.

6. LEGISLAÇÃO REMANESCENTE SOBRE O DIVÓRCIO E SEUS EFEITOS ESSENCIAIS

Pode-se indagar se a nova norma constitucional provocou um vazio legislativo, que exija imediata regulamentação legal, tendo em vista que ela revogou todas a normas infraconstitucionais, principalmente as do Código Civil, relativas à dissolução da sociedade conjugal e seu instrumento, a separação judicial.

Entendemos que o ordenamento jurídico brasileiro, suprimindo-se todas as normas relativas à separação judicial, contempla a disciplina necessária ao divórcio e a seus essenciais efeitos: quem pode promover, como promover, guarda e proteção dos filhos menores, obrigação alimentar, manutenção do nome conjugal, partilha dos bens comuns. Não há qualquer vazio, nem necessidade de lei para regulamentar o que já está regulamentado, a saber (os artigos sem indicação são referentes ao Código Civil):

I - O art. 1.582 estabelece que o divórcio somente competirá aos cônjuges, o que significa dizer que terceiros não o podem fazer, exceto se aqueles forem incapazes para propor ação ou se defender, quando serão substituídos por curador, ascendente ou irmão. Por sua vez, o art. 24 da Lei 6.515, de 1977, estabelece que o divórcio põe termo ao casamento e aos efeitos civis do casamento religioso.

II - O art. 1.579 estabelece que o divórcio não modificará os direitos e deveres do pais em relação aos filhos, ou seja, o poder familiar de cada genitor permanece, independentemente do tipo de guarda (unilateral ou compartilhada) ou de nova união (casamento ou união estável). Do mesmo modo, o art. 9º da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, com força de lei no Brasil, assegura o direito da criança de manter relações afetivas e contato direto com o genitor divorciado, com quem não resida.

III - Os arts. 1.583 a 1.589 e os arts. 1.689 a 1.693 tratam sobre as modalidades de guarda e proteção dos filhos menores dos pais divorciados, além da administração, alienação e oneração dos bens daqueles;

IV - O § 2º do art. 1.571, primeira parte, assegura o direito ao cônjuge divorciado de manter o nome de casado, ou seja, é sua a decisão, não podendo estar subordinada a qualquer requisito de inocência ou culpa, pois esta não prevalece no divórcio;

V - Quanto aos alimentos, o art. 1.694 prevê o direito ao cônjuge de pedir alimentos ao outro, desaparecendo a modalidade de alimentos de subsistência, pois estava vinculado à culpa pela separação. Já o art. 1.709 estabelece que o novo casamento do devedor não extingue a obrigação alimentar constante da sentença do divórcio. O direito dos filhos aos alimentos está previsto nos arts. 1.696 e seguintes.

VI - O art. 1581 estabelece que o divórcio pode ser concedido sem que haja prévia partilha dos bens. Os arts. 1.639 a 1.688 disciplinam os tipos de regimes de bens matrimoniais, que condicionam a partilha dos bens comuns.

VII - Na forma do art. 33 da Lei 6.515, de 1977, se os cônjuges divorciados quiserem restabelecer a união conjugal só poderão fazê-lo mediante novo casamento, não sendo possível reconciliação para fins de restabelecer a sociedade conjugal, como ocorria com a separação judicial.

Portanto, o advento da nova norma constitucional não necessita de nova regulamentação infraconstitucional, pois as questões essenciais do divórcio estão suficientemente contempladas na legislação civil existente e nenhuma norma destinada à separação judicial ou à dissolução da sociedade conjugal podem ser aproveitadas, porque foram revogadas, em virtude de sua incompatibilidade com a dissolução do casamento pelo divórcio.

De lefe ferenda, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n. 2285/2007 ("Estatuto das Famílias"), cuidando de todas as matérias relativas ao direito de família, com visão inovadora e contemporânea, apontando para melhor regulamentação dessas matérias, ordenando de modo sistemático o divórcio e suas dimensões.

7. TIPOS DE DIVÓRCIO E SUAS CARACTERÍSTICAS

Em razão da emenda constitucional, com o desaparecimento do divórcio por conversão, temos três tipos de divórcios: a) divórcio judicial litigioso; b) divórcio judicial consensual; c) divórcio extrajudicial consensual. Em todos os tipos, exige-se apenas a exibição da certidão de casamento e que as questões essenciais sejam definidas: guarda (preferencialmente compartilhada, por força da Lei 11.648, de 2008) e proteção dos filhos, sobrenome utilizado, alimentos e partilha dos bens. Permanece a regra do art. 1.581 que permite aos cônjuges deixar a partilha dos bens comuns, no divórcio judicial, para outra ocasião, sem prejuízo deste.

O divórcio judicial litigioso se caracteriza pela ausência de acordo dos cônjuges sobre a própria separação (um quer, outro não) ou sobre alguma ou todas as questões essenciais, que são potencialmente conflituosas. Ora divergem sobre o montante dos alimentos, ora sobre quem terá a guarda dos filhos comuns (ou até mesmo o local da residência, na guarda compartilhada) e o compartilhamento da convivência com eles, ora sobre a partilha dos bens, que tem sido o principal fator. Se a divergência resumir-se apenas à partilha, poderão os cônjuges submetê-la a processo autônomo. Somente sobre as questões essenciais pode haver contestação ao pedido, sendo incabíveis argumentos relacionados às causas da separação.

Se tiver havido ofensas ou danos morais ou materiais, os cônjuges devem discuti-los em processo próprio, segundo as regras comuns da responsabilidade civil, mas nunca em razão do divórcio. Se algum cônjuge sentir-se enganado pelo outro e ficar caracterizado o erro essencial sobre a pessoa deste, então será a hipótese de ação de anulação do casamento.

O divórcio judicial litigioso é a única via possível, quando houver filhos menores, ainda que os cônjuges estejam de acordo sobre todas as questões essenciais. Justifica-se pelo fato de os interesses das crianças e adolescentes serem considerados como indisponíveis, inclusive em relação aos pais, merecendo a vigilância do Ministério Público.

O divórcio judicial consensual continua como opção para os cônjuges que não desejem a via extrajudicial. Tem por fito obter a homologação judicial. O juiz apenas verifica se o acordo resolve adequadamente as questões essenciais.

O divórcio extrajudicial consensual é realizado mediante escritura pública lavrada por notário, desde que os cônjuges estejam assistidos por advogado ou defensor público, quando forem cumpridos dois outros requisitos fundamentais: a) inexistência de filhos menores; b) acordo sobre todas as questões essenciais. A Lei 11.411, de 2007, inclui a exigência de acordo sobre a partilha dos bens, não podendo ser deixada para outra ocasião. Se houver qualquer discordância sobre esta ou outra questão essencial (manutenção ou não do sobrenome do outro cônjuge, alimentos quando devidos ao outro cônjuge), o notário não poderá lavrar a escritura. As regras da Resolução 35/2007 do CNJ, relativamente à comprovação dos requisitos temporais (principalmente os arts. 47, 52 e 53) também foram alcançadas pela revogação.

8. SITUAÇÃO DOS SEPARADOS JUDICIALMENTE E AINDA NÃO DIVORCIADOS

As normas relativas à separação judicial não podem ser interpretadas em conformidade com a Constituição, para as situações supervenientes à emenda constitucional decorrente da PEC do Divórcio, porque não foram por esta recepcionadas.

Sua utilidade radica, apenas, nas situações transitórias, no que interessar aos judicialmente separados, como a prevista no art. 1.577, que lhes faculta restabelecer a sociedade conjugal, por ato regular em juízo (ou mediante escritura pública, como facultam a Lei 11.441, de 2007, e a Res. 35/2007 do CNJ).

Os separados judicialmente (ou extrajudicialmente) continuam nessa qualidade, até que promovam o divórcio (direto), por iniciativa de um ou de ambos, mantidas as condições acordadas ou judicialmente decididas.

Como deixa de existir o divórcio por conversão, o pedido de divórcio (ou o divórcio consensual extrajudicial) deverá reproduzir todas condições estipuladas ou decididas na separação judicial, como se esta não tivesse existido, se assim desejarem os cônjuges separados, ou alterá-las livremente.

Não há direito adquirido a instituto jurídico, como tem decidido o Supremo Tribunal Federal. Qualifica-se como instituto jurídico a separação judicial e seus efeitos, que podem ser revistos quando a nova norma dele não mais trata, ou seja com ela incompatíveis, como a restrição de direitos em decorrência de culpa pela separação. Conseqüentemente, as condições estipuladas ou decididas na separação judicial não são imutáveis e se não houver consenso dos cônjuges separados para mantê-las no pedido de divórcio, pode o juiz decidir de modo diferente, desde que observe o melhor interesse dos filhos menores.

9. NORMAS REVOGADAS DO CÓDIGO CIVIL

A Constituição revoga a legislação infraconstitucional antecedente, tanto a Constituição originária quanto a emenda constitucional. Diz-se, igualmente, que a norma constitucional não recepcionou as normas infraconstitucionais com ela incompatíveis. Essa é a orientação que a experiência constitucional brasileira adotou, na jurisprudência e na doutrina especializada majoritárias. Em outros sistemas jurídicos (por exemplo, em Portugal) admite-se a inconstitucionalidade em razão de norma constitucional superveniente, voltando-se para invalidar as normas anteriores. No Brasil, a inconstitucionalidade apenas se volta contra normas infraconstitucionais posteriores. A revogação, em virtude de emenda constitucional, é ordinariamente implícita, o que abre campo para controvérsias.

A nova redação do § 6º do art. 226 da Constituição importa revogação das seguintes normas do Código Civil, com efeitos ex nunc:

I - Caput do art. 1.571, conforme já demonstramos, por indicar as hipóteses de dissolução da sociedade conjugal sem dissolução do vínculo conjugal, única via que a nova redação tutela. Igualmente revogada está a segunda parte do § 2º desse artigo, que alude ao divórcio por conversão, cuja referência na primeira parte também não sobrevive.

II - Arts. 1.572 e 1.573, que regulam as causas da separação judicial.

III - Arts. 1.574 a 1.576, que dispõem sobre os tipos e efeitos da separação judicial.

IV - Art. 1.578, que estabelece a perda do direito do cônjuge considerado culpado ao sobrenome do outro.

V - Art. 1.580, que regulamenta o divórcio por conversão da separação judicial.

VI - Arts. 1.702 e 1.704, que dispõem sobre os alimentos devidos por um cônjuge ao outro, em razão de culpa pela separação judicial; para o divórcio, a matéria está suficiente e objetivamente regulada no art. 1.694.

Por fim, consideram-se revogadas as expressões "separação judicial" contidas nas demais normas do Código Civil, notadamente quando associadas ao divórcio.

Algumas normas do Código Civil permanecem, apesar de desprovidas de sanção jurídica, que era remetida à separação judicial. É a hipótese do art. 1.566, que enuncia os deveres conjugais, ficando contido em sua matriz ética.

A alusão feita em algumas normas do Código Civil à dissolução da sociedade conjugal deve ser entendida como referente à dissolução do vínculo conjugal, abrangente do divórcio, da morte do cônjuge e da invalidade do casamento. Nessas hipóteses, é apropriada e até necessária a interpretação em conformidade com a Constituição (nova redação do § 6º do art. 226). Exemplifique-se com a presunção legal do art. 1.597, II, de concepção na constância do casamento do filho nascido nos trezentos dias subseqüentes à "dissolução da sociedade conjugal", que deve ser lida e interpretada como dissolução do vínculo conjugal. Do mesmo modo, o art. 1.721 quando estabelece que o bem de família não se extingue com a "dissolução da sociedade conjugal".

10. PROCEDIMENTOS DO DIVÓRCIO JUDICIAL E DA SEPARAÇÃO DE CORPOS

O divórcio consensual segue o procedimento previsto nos arts. 1.120 a 1.124 do Código de Processo Civil, por força do § 2º do art. 40 da Lei 6.515, de 1977, excluídos os incisos I, sobre a comprovação da separação de fato, e III, sobre a produção de prova testemunhal e audiência de ratificação, porque incompatíveis com a supressão das causas subjetivas e objetivas decorrente da nova redação do § 6º do art. 226 da Constituição. O art. 1.124-A, acrescentado pela Lei 11.441, de 2007, relativo ao divórcio consensual, permanece íntegro, exceto quanto à alusão à separação consensual.

O divórcio judicial litigioso deve observar o procedimento ordinário, de acordo com a regra do § 3º do art. 40 da Lei 6.515, de 1977, mas a instrução probatória será restrita às questões essenciais do cabimento e do quantum dos alimentos; de quem é mais apto à guarda unilateral dos filhos, se a guarda compartilhada não consultar o melhor interesse destes; e da existência e partilha dos bens comuns. Neste último caso, os cônjuges podem optar pelo procedimento autônomo de partilha, após o divórcio (art. 1.581 do Código Civil).

A sentença definitiva do divórcio judicial consensual ou litigioso apenas produz efeitos depois de registrada no registro público competente, como determina o art. 32 da Lei 6.515, de 1977.

Antes de mover a ação de divórcio judicial litigioso, poderá qualquer dos cônjuges, comprovando a necessidade, requerer a separação de corpos (art. 1.562 do Código Civil). Em virtude do desaparecimento das causas culposas e temporais, por força da nova redação do § 6º do art. 226 da Constituição, o pedido de separação de corpos não mais tem a finalidade de legitimar a saída do cônjuge do lar conjugal, ou para os fins de contagem do tempo para separação consensual (um ano) ou para o divórcio direto (dois anos). Doravante, assume sua característica essencial como providência inevitável quando há ameaça ou consumação de violência física, psicológica ou social de um cônjuge contra o outro ou contra os filhos, para afastá-lo do lar conjugal, por via cautelar. E de acordo com o art. 888, VI, do CPC, a medida também pode ser autorizada pelo juiz na pendência da ação principal, para o fim do afastamento temporário de um dos cônjuges da morada do casal.







Doutor em Direito Civil pela USP. Advogado. Ex-Ministro Conselheiro do CNJ. Membro da International Society of Family Law e do IBDFAM.









--------------------------------------------------------------------------------

[1] No primeiro turno, na Câmara dos Deputados a PEC contou com a votação favorável de 315 Deputados. Apenas 15 votaram contrariamente.

[2] Este estudo, provocado pelas inquietações de membros do IBDFAM, partiu da expectativa da promulgação da emenda constitucional. Sua considerações dirigem-se às consequências posteriores ao início de vigência da emenda. Quando de sua elaboração (julho de 2009), a PEC já tinha sido aprovada em dois turnos na Câmara dos Deputados e na CCJ do Senado Federal.

[3] LOBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 140.


--------------------------------------------------------------------------------

Portal IBDFAM - http://www.ibdfam.org.br/

domingo, 6 de dezembro de 2009

Senado aprova a PEC do divórcio

03.12.2009
Fonte: Agência Senado
Os senadores aprovaram ontem, quarta-feira (2), em primeiro turno, proposta de emenda à Constituição (PEC 28/09) que acaba com a exigência da separação judicial prévia por mais de um ano ou da comprovação de separação de fato por mais de dois anos para a obtenção do divórcio. De autoria do deputado Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ), a PEC recebeu voto favorável do relator na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), senador Demóstenes Torres (DEM-GO).
A proposta, que ainda precisa passar pelo segundo turno de discussão e votação, altera o parágrafo 6º do artigo 226 da Constituição.

- Com essa PEC, o divórcio pode ser feito a qualquer tempo, como acontece em qualquer lugar do mundo - disse o relator da matéria durante a discussão em Plenário.
O líder do governo, Romero Jucá (PMDB-RR), disse que a proposta foi apelidada de "PEC do Amor", já que permite, após uma separação, a realização imediata de um novo casamento reconhecido pela lei.

O senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), por sua vez, discordou. Em sua avaliação, o pré-requisito de um ano para reavaliação, pelas partes, da conveniência da dissolução do casamento tinha o objetivo de garantir ao casal a oportunidade de pensar melhor. "Se pudermos dissolver o casamento de um dia para o outro, estaremos colocando as mulheres, a parte mais frágil da relação, numa situação de insegurança", disse.

Já o senador Arthur Virgílio (PSDB-AM) elogiou a proposta, que, a seu ver, vem aperfeiçoar o Direito de Família. "A mudança será recebida com muita felicidade por pessoas que querem legitimar sua união".
________________________________________
Portal IBDFAM - http://www.ibdfam.org.br/