terça-feira, 31 de março de 2009

AÇÃO DE ANULAÇÃO DE ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA (DECADENCIAL 4 ANOS). CONSEQÜÊNCIA: EVICÇÃO - INDENIZAÇÃO (PRESCRIÇÃO 10 ANOS)

Acórdão: Apelação Cível n. 2003011085986-8, da comarca de Brasília.
Relator: Des. Vera Andrighi
Data da decisão: 25.10.2006.
Órgão : Quarta Turma Cível
Classe : APC – Apelação Cível N. Processo : 2003011085986-8
Apelantes : Norma Hamu Garay e outros
Apelado : Edílio Carlos Alves
Relatora Desa. : Vera Andrighi
Revisor Des. : Sandoval Oliveira
EMENTA: AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO. DECADÊNCIA. ANULAÇÃO DE ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA. INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS. ERRO. EVICÇÃO.
I – Decai em quatro anos o direito de anular escritura pública sob o fundamento de erro. Arts. 178, inc. II e 2.028, ambos do CC/02.
II – Para o reconhecimento da evicção é necessária a anterioridade do direito do evictor ao tempo da alienação, o que não se verifica no caso em exame.
III – Para o exercício do direito que da evicção resulta, era necessária a denunciação da lide aos alienantes do imóvel na ação possessória.
IV – Apelação conhecida e provida. Maioria.
ACÓRDÃO
Acordam os Desembargadores da Quarta Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, VERA ANDRIGHI – Relatora, SANDOVAL OLIVEIRA – Revisor e LEILA ARLANCH – Vogal, sob a presidência do Desembargador CRUZ MACEDO, em CONHECER, REJEITAR A PREJUDICIAL DE MÉRITO, UNÂNIME, PROVER, MAIORIA, de acordo com a ata de julgamento e notas taquigráficas.
Brasília (DF), 25 de outubro de 2006.
VERA ANDRIGHI Relatora
RELATÓRIO
O relatório é, em parte, o da r. sentença, in verbis: “EDÍLIO CARLOS ALVES promove a presente Ação de Rescisão de Promessa de Compra e Venda c/c Anulação de Escritura de Compra e Venda e Perdas e Danos em face de NORMA HAMÚ GARAY, HIPÓLITO BILHALVA GARAY e HELVIO MONTEIRO GUIMARÃES, partes qualificadas nos autos, aduzindo que em 25 de fevereiro de 1985 adquiriu dos dois primeiros Réus, representados pelo terceiro, uma gleba de terras com 10,06,25 (dez hectares, seis ares e vinte e cinco centiares), situada na fazenda denominada ‘Várzeas’, dentro do perímetro do Distrito Federal, com limites em comum, dentro de uma área maior, constante da matrícula nº 16.778 do Cartório do 2º Ofício de Registro de Imóveis, através de Escritura Pública. Sustenta que foram firmados três contratos de propostas de compra de imóveis a prestação, nos quais constou que estava adquirindo as chácaras 57, 58, 59 e 60 dentro da Fazenda Várzeas, para fins de delimitação da área. Ressalta que após tomar posse da gleba, foi surpreendido com a alegação da Sra. Marilene Faleiro Silva de que a área lhe pertencia por compra feita do terceiro Réu há mais de dez anos. Assevera que em 2001 ajuizou ação de manutenção de posse em face da referida senhora, a qual foi julgada improcedente e reintegrada a demandada na posse do imóvel. Afirma que os contratos estão viciados, vez que houve induzimento a erro, em razão do terceiro Réu ter vendido a mesma área a terceira pessoa e por ter perdido a posse judicialmente, tornando anulável a escritura pública, nos termos do art. 147 e seguintes do Código Civil. Informa que pagou pelo terreno, à época, a importância de Cr$ 800.000,00 (oitocentos mil cruzeiros), sendo que, conforme avaliação realizada por corretor em setembro de 2003, o hectare da área vale R$ 10.000,00 (dez mil reais), sendo o valor da gleba correspondente a R$ 100.625,00 (cem mil seiscentos e vinte e cinco reais), devendo a devolução do valor pago ter por base o valor atual do imóvel. Requer a procedência da ação para considerar rescindidos os contratos mencionados e anulada a escritura pública de compra e venda firmada entre o Autor e os dois primeiros réus, datada de 25 de fevereiro de 1985, condenando-os solidariamente ao pagamento do valor de R$ 100.625,00 (cem mil seiscentos e vinte e cinco reais), correspondente ao valor da gleba, a título de perdas e danos. Com a inicial junta os documentos de fls. 10/43. O terceiro Requerido apresentou contestação, às fls. 55/59, argüindo, preliminarmente, ilegitimidade passiva ad causam, vez que agiu apenas como procurador e em nome dos dois primeiros Requeridos. No mérito, ressalta que o terreno adquirido pelo autor está dentro de uma área comum e que somente após dezessete anos depois da compra é que o Autor se interessou em tomar posse da área, de modo que provavelmente a gleba por ele adquirida deve estar na posse de terceira pessoa, que também adquiriu parte do terreno e que exerceu seu direito de posse primeiramente, não podendo ser responsabilizado pela desídia do Requerente. Pugna pelo acolhimento da preliminar. Os dois primeiros Réus apresentaram contestação, às fls. 61/66, argüindo, em sede de preliminar, decadência da pretensão da Requerente, nos termos do art. 178 do Código Civil, porquanto a escritura pública de compra e venda do imóvel foi celebrada em fevereiro de 1985, há mais de dezoito anos. No mérito, sustentam que a escritura pública é clara quanto ao bem imóvel objeto do negócio, que é uma área comum, em condomínio com outros adquirentes, dentro de um área maior, também em comum, isto é, sem divisas, limites, lindes ou confrontações que definissem no solo a parte de cada comprador. Asseveram que o terceiro Réu, encarregado das vendas, sugeriu aos adquirentes que ocupassem trecho livre do imóvel, correspondente à extensão adquirida, cercando-a e exercendo a posse sobre a mesma. Ressaltam que na ação possessória movida pelo Autor em face da Sra. Marilene, restou evidenciado que o mesmo nunca exerceu a posse do imóvel e agora pretende anular um negócio jurídico lícito e sem qualquer vício. Pugnam pela extinção do feito em razão da decadência ou que seja julgado improcedente o pedido. Juntam documentos às fls. 67 e 70/72. Réplica às fls. 75/84. Na audiência de conciliação compareceram as partes, contudo a tentativa de acordo restou sem êxito (fl. 165).” (fls. 171/3) Acresço que a r. sentença tem o seguinte dispositivo: “a) julgo procedentes os pedidos contidos na inicial para declarar rescindidos os contratos de compra e venda dos imóveis descritos na exordial, tornando, em face do desfazimento do negócio, sem efeito os termos da Escritura Pública de fls. 12/13. Condeno os Réus NORMA HAMÚ GARAY e HIPÓLITO BILHALVA GARAY ao pagamento de R$ 100.625,00 (cem mil seiscentos e vinte cinco reais), a título de indenização ao Autor EDÍLIO CARLOS ALVES, que corresponde ao valor do imóvel na data da evicção, bem assim nas custas do processo e em honorários advocatícios, os quais fixo em R$ 1.000,00 (um mil reais), com base no art. 20, § 4º do Código de Processo Civil; b) julgo o Autor carecedor de ação, por ilegitimidade passiva ad causam em relação ao terceiro Réu HÉLVIO MONTEIRO GUIMARÃES. Condeno o Autor ao pagamento de honorários advocatícios em favor do patrono do terceiro Requerido, que fixo em R$ 300,00 (trezentos reais), cuja execução ficará suspensa, nos termos do art. 12 da Lei 1.060/50. Oficie-se ao Cartório do 2º Ofício do Registro de Imóveis do Distrito Federal para tornar sem efeito o R-69 da matrícula 16778.” (fl. 177) Os réus Norma Hamú Garay e Hipólito Bilhalva Garay interpuseram apelação (fls. 180/6), na qual reprisam que alegaram a decadência com base no art. 178 do CC/02, mas a r. sentença reportou-se ao art. 178 do CC/16, não invocado pelas partes. Todavia, mesmo considerado um ou outro dispositivo legal, o prazo para se pleitear a anulação de negócio jurídico é de quatro anos, contados a partir da sua celebração, ocorrida em 25/02/85. Postulam seja reconhecida a prescrição ou a decadência, nos termos do art. 269, inc. IV, do CPC. Dizem que na matrícula do imóvel não consta registro ou averbação de venda à Sra. Marilene Faleiro Silva (fls. 136/152); que a ré Norma Hamú herdou o imóvel em referência de sua genitora, o qual não tem qualquer limite, divisa ou confrontações, estando dessa forma até a atualidade, tendo em vista que não foi objeto de divisão judicial ou extrajudicial entre os seus co-proprietários; que, depois, casou-se com o segundo réu, passando a se chamar Norma Hamú Garay; que venderam ao autor a área de 10,06,25 hectares de terras em comum, dentro da área maior, sem qualquer identificação ou limites; que não efetuaram a venda de parte da terra à Sra. Marilene e, mesmo se tal tivesse ocorrido, seria de uma área sem limites e confrontações, apenas com a garantia de que se localizava dentro dos 558,02,44 hectares da Fazenda Várzeas, herdada pela ré. Aduzem que o autor jamais teve a posse da área que adquiriu, e somente depois de oito anos da compra, ajuizou a ação de manutenção de posse, sem ter, dentro desse período, provado a construção de benfeitorias e exercido atividade produtiva, ou qualquer outra. Ademais, a ação não se fundou no domínio, visto que aí seria reivindicatória, mas na posse do imóvel, sendo que “o insucesso seria fatal” (fl. 184). Afirmam que a r. sentença julgou procedentes os pedidos do autor tendo em vista a evicção ocorrida diante do resultado da ação possessória que lhe foi desfavorável, mas nela não foram citados, tampouco tiveram ciência dos seus termos, razão pela qual houve violação aos art. 1.116 do CC/16, atual art. 456 do CC/02 e art. 70, inc. I, do CPC. Ponderam que, mesmo se denunciados da lide na possessória, não poderiam responder pela evicção diante de uma ação “descuidada e mal instruída, uma verdadeira aventura forense” (fl. 185). Trazem ensinamento doutrinário no sentido de que “a evicção tem sempre como causa vício no direito do vendedor, vício esse preexistente ao ato de alienação” (fl. 186) e inexistiu vício no negócio entabulado entre o autor e os réus. Pedem a extinção do processo, nos termos do art. 269, inc. IV, do CPC, ou o julgamento de improcedência dos pedidos, com a inversão dos ônus da sucumbência. Preparo (fl. 187). Contra-razões (fls. 190/6), na qual o autor afirma que o seu pedido inicial está fundado na evicção, que constitui regra de nulidade absoluta do contrato e é imprescritível. Ademais, não poderia promover a denunciação da lide na ação possessória, pois figurou como autor, e essa intervenção de terceiros somente pode ser postulada pelo réu. É o relatório. VOTOS A Senhora Desembargadora Vera Andrighi – Relatora Conheço da apelação porque presentes os pressupostos de admissibilidade. Prejudicial de decadência para anulação do negócio por erro O autor postula a rescisão do contrato de compra e venda do imóvel, a anulação da respectiva escritura pública e indenização por perdas e danos consistente no valor atualizado da gleba de terras objeto do negócio, fundando sua pretensão no fato de ter sido induzido a erro e pela evicção. A r. sentença reconheceu a prescrição para se anular o negócio jurídico por erro e, fundamentada na evicção, julgou procedentes os pedidos em relação aos dois primeiros réus Norma e Hipólito, e o terceiro, Hélvio, foi excluído da lide por ilegitimidade passiva, visto que agiu como mero procurador dos dois primeiros na venda do imóvel, verdadeiros proprietários. Apelam da r. sentença os réus Norma e Hipólito. Inicialmente, os apelantes reprisam a decadência para o autor postular a anulação do negócio jurídico que celebraram, com fundamento em erro, diante do disposto no art. 178, inc. II, do CC/02. A escritura pública de compra e venda do imóvel foi celebrado entre as partes em 25/02/1985, e a ação foi ajuizada em 08/10/2003. Observada a regra de transição do art. 2.028 do CC/02, aplica-se a disposição do Novo Código, art. 178, inc. II, visto que o prazo de quatro anos previsto no antigo art. 178, § 9º, alínea “b” do CC/16 foi mantido. Dessa forma, impõe-se o reconhecimento da decadência do direito à anulação do negócio fundamentada em erro. Prescrição para exercer o direito resultante da evicção Para exercer o direito que resulta da evicção não há prazo prescricional específico, portanto deve ser observada a regra geral para as ações pessoais. O art. 177 do CC/16 previa o prazo de 20 anos para tais ações, e o art. 205 CC/02 dispõe que são de dez anos. Assim, considerando a regra de transição do art. 2.028 do CC/02, a redução do prazo prescricional e o trânsito em julgado da sentença da manutenção de posse em agosto/2003 (fl. 42), mesmo ano em que foi ajuizada a presente (08/10/03), aplica-se o disposto no art. 205 do CC/02, ou seja, o prazo de 10 anos, razão pela qual não houve a extinção da pretensão deduzida. Rejeito a prejudicial de prescrição. Mérito Conforme já dito, o autor adquiriu dos réus Norma e Hipólito, em 25/02/85, uma gleba de terras com área de 10,06,25 ha (dez hectares, seis ares e vinte e cinco centiares) situada na Fazenda Várzeas, sem limites e confrontações, dentro de uma área maior, de 301ha, 57h, 40ca. Em novembro de 2001, o autor ajuizou ação de manutenção de posse contra Marilene Faleiro Silva, aduzindo que ao dirigir-se à área adquirida para ali construir um poço e edificar uma casa, foi surpreendido com a presença da referida senhora, que afirmou ter comprado a mesma gleba do mesmo procurador, Sr. Helvio Monteiro, terceiro réu, excluído da presente lide. O pedido possessório do autor foi julgado improcedente no Primeiro Grau e confirmado no Segundo (fls. 28/42), razão pela qual ajuizou a presente ação com fundamento na evicção. Tal narrativa se fez necessária, para se aferir, no caso concreto, se estão presentes os elementos que caracterizam a evicção. O saudoso Mestre Orlando Gomes conceitua a evicção “quando o adquirente vem a perder a propriedade ou posse da coisa em virtude de sentença judicial que reconhece a outrem direito anterior sobre ela.” (in Contratos, ed. Forense, 17ª ed., p. 97) Maria Helena Diniz conceitua a evicção como; “a perda da coisa, por força de decisão judicial, fundada em motivo jurídico anterior, que a confere a outrem, seu verdadeiro dono, com o reconhecimento em juízo da existência de ônus sobre a mesma coisa, não denunciado oportunamente no contrato.” (in Código Civil Anotado, Ed. Saraiva, 10ª ed., p. 371) Dos conceitos supracitados, e dos dispositivo legais que regem a evicção, arts. 1.107 a 1.117 do CC/16 (arts. 447 a 457 do CC/02) para ela se configurar são necessários os seguintes requisitos: a) perda total ou parcial da propriedade, posse ou uso da coisa alienada; b) onerosidade da aquisição; c) ignorância, pelo adquirente, de que a coisa é litigiosa; e, d) anterioridade do direito do evictor. Está demonstrado nos autos que a ré Norma Hamú, a qual posteriormente casou-se com o réu Hipólito Garay, herdou de sua genitora 301ha57a40ca de terras situadas na Fazenda Várzeas e, depois, vendeu a diversas pessoas partes dessas terras, sendo que em nenhuma das averbações das escrituras constavam os limites e confrontações destas (fls. 136/52). Ainda, conforme informaram na contestação: “(...) a cada adquirente o conceituado empresário Hélvio Monteiro Guimarães, encarregado das vendas, sugeria que ocupasse trecho livre do imóvel, correspondente à extensão superficial adquirida, cercando-a, se lhe conviesse, e ali exercendo posse exclusiva, mansa e pacífica sobre a coisa havida em comum.” (fl. 64) De outro turno, a área que o autor diz que seria de sua propriedade correspondia às chácaras 57, 58, 59 e 60 e estava ocupada pela Sra. Marilene. Nesses termos, é possível verificar que o autor perdeu a posse da terra, cuja aquisição se deu a título oneroso, e que não tinha ciência, àquela época, de qualquer litigiosidade quanto ao referido bem, mesmo porque não existia. Contudo, quanto à anterioridade do direito da Sra. Marilene sobre a gleba litigiosa, a prova dos autos é em sentido diverso. Em primeiro lugar, é de se registrar que o autor adquiriu a área em 1985 e somente em 2001, ou seja, 16 anos depois, constatou que sua terra estava ocupada por terceira pessoa, mais precisamente em 03/11/2001, o que permite concluir que, ao longo desses anos, não exerceu a sua posse. Conforme o depoimento prestado pela Sra. Marilene Faleiro Silva na ação de manutenção de posse, em 2001, ela afirmou que comprou a área em questão há mais de 10 anos, do mesmo Sr. Hélvio, que procedeu à venda também ao autor. Ainda, consoante as averbações da matrícula do imóvel, verifica-se que os réus venderam parte da terra (4ha90a81ca) a Sra. Maria Olímpia Barbacena, em 1983 (fl. 140-v) e esta, em 09/12/98, vendeu a referida área a Sra. Marilene Faleiro Silva (fl. 151). Note-se, ademais, que não foram os réus que venderam a gleba de terra a Sra. Marilene, mas a Sra. Maria Olímpia, esta sim que adquiriu a área diretamente daqueles. Dessa forma, está devidamente comprovado que o direito da Sra. Marilene Faleiro sobre a área litigiosa é bem posterior ao do autor, aquela datada de 09/12/98 (R.117/16778, fl. 151) e esta, de 25/02/85 (R. 69/16778, fl. 145-verso), o que impede que os réus respondam pela evicção, à míngua de um dos seus requisitos caracterizadores. Mas não é só. Além de o negócio jurídico celebrado pela Sra. Marilene para aquisição da terra ser bem posterior ao do autor, o que já afastaria a responsabilidade dos réus pela evicção, ele não observou a regra do art. 456, caput, do CC/02, correspondente ao art. 1.116 do CC/16, o qual dispõe: “Para poder exercitar o direito que da evicção lhe resulta, o adquirente notificará do litígio o alienante imediato, ou qualquer dos anteriores, quando e como lhe determinarem as leis do processo. A notificação, na forma determinada na lei do processo, conforme determina o artigo destacado, é a denunciação da lide aos réus, na forma do art. 70, inc. I, do CPC. Todavia, tal medida processual não foi tomada na ação possessória, conforme se infere dos documentos (fls. 28/40). Portanto o autor não poderia sequer exercitar o seu direito de evicção nos presentes autos, mesmo se existente. Anote-se, por necessário, que a evicção não é regra de nulidade absoluta do contrato, como aduz o autor, mas cláusula de garantia, que poderá ser exercitada pela parte, desde que presentes os requisitos já destacados anteriormente. Além disso, perfeitamente cabível a denunciação da lide em sede de ação possessória, a ser requerida pelo autor, e não só pelo réu, a qual será formulada na petição inicial, sob pena de preclusão. Isso posto, conheço da apelação e dou provimento para julgar improcedentes os pedidos. Fica invertida a sucumbência fixada na r. sentença (item a, fl. 177), exceto a verba devida ao advogado do réu excluído, que permanece a cargo do autor. É o voto. O Senhor Desembargador Sandoval Oliveira – Revisor Cuida-se de recurso de apelação interposto contra sentença que julgou procedente o pedido deduzido em ação de rescisão de contrato de promessa de compra e venda c/c anulação de escritura, bem assim perdas e danos. Alegou o autor na inicial, em síntese, que adquiriu dos réus: Norma Hamú Garay e Hipólito Bilhalva Garay uma área de dez hectares, seis ares e vinte e cinco centiares, situada na Fazenda Várzeas, no Distrito Federal e que após tomar posse da gleba, correspondente às chácaras 57/60, necessitou ajuizar ação de manutenção de posse contra a Sra. Marilene Faleiro Silva, sendo que esta alegava que havia adquirido o imóvel há mais de dez anos. Ao final do processo, disse o autor, foi sucumbente, restando vencedora a Sra. Marilene, o que gerou a certeza de que não poderia exercer o direito sobre a gleba ou chácaras vendidas pelos réus. Assim, requereu a rescisão dos contratos de proposta de compra e venda e a anulação da escritura pública respectiva, com a restituição do valor do imóvel, correspondente a R$ 100.625,00 (cem mil, seiscentos e vinte e cinco reais) O MM. Juiz de Primeiro Grau julgou procedentes os pedidos em relação aos dois primeiros réus e exclui o terceiro réu, nos seguintes termos: “ISTO POSTO: a) julgo procedentes os pedidos contidos na inicial para declarar rescindidos os contratos de compra e venda dos imóveis descritos na exordial, tornando, em face do desfazimento do negócio, sem efeito os termos da Escritura Pública de fls. 12/13. Condeno os Réus NORMA HAMÚ GARAY e HIPÓLITO BILHALVA GARAY ao pagamento de R$ 100.625,00 (cem mil seiscentos e vinte cinco reais), a título de indenização ao Autor EDÍLIO CARLOS ALVES, que corresponde ao valor do imóvel na data da evicção, bem assim nas custas do processo e em honorários advocatícios, os quais fixo em R$ 1.000,00 (um mil reais), com base no art. 20, § 4º do Código de Processo Civil; b) julgo o Autor carecedor de ação, por ilegitimidade passiva ad causam em relação ao terceiro Réu HÉLVIO MONTEIRO GUIMARÃES. Condeno o Autor ao pagamento de honorários advocatícios em favor do patrono do terceiro Requerido, que fixo em R$ 300,00 (trezentos reais), cuja execução ficará suspensa, nos termos do art. 12 da Lei 1.060/50. Apelaram o primeiro e segundo réus. Alegando, em preliminar, a ocorrência de prescrição ou decadência. No mérito, argumentam, em síntese, não ser verdade que venderam a mesma gleba de terras a Sra. Marilene Faleiro Silva e que todas as alienações realizadas tinham por objeto uma parte em comum dentro de um único imóvel. Aduzem que o insucesso na ação possessória decorreu da invocação de posse nunca exercida, em ação ajuizada muito tempo depois da venda, e que a ação deveria ser fundamentada no domínio e não na posse. Afirmam que a r. sentença afrontou normas do Código Civil e do Código de Processo Civil, pois condenou os apelantes sem que estes fossem ouvidos na ação possessória ajuizada pelo apelado contra a Sra. Marilene. Arrematam o recurso pugnando pelo acolhimento da preliminar suscitada e pela reforma da r. sentença. Conheço do apelo, eis que presentes os pressupostos de sua admissibilidade. Aprecio a preliminar. Não há qualquer mácula na sentença em relação ao não reconhecimento da prescrição. Com efeito, busca o apelado indenização em face da ocorrência de evicção, motivada no fato de haver perdido a posse do bem adquirido, em ação possessória. O prazo prescricional, assim, não é o apontado pelo apelante, mas de vinte anos, conforme reconheceu o Juízo a quo. Nesse sentido: "CIVIL - REPARAÇÃO DANOS MATERIAIS - EVICÇÃO - CERCEAMENTO DEFESA - ILEGITIMIDADE PASSIVA - PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. (...) A questão da prescrição qüinqüenal, deve igualmente ser afastada pois, o artigo 27 do Código de Defesa do Consumidor refere-se à reparação de danos causados por fato do produto e do serviço, e o presente feito cuida de reparação de danos decorrentes da evicção. Recurso Improvido." (Apelação Cível 20010110675165 DF; Acórdão Número: 192442; Julgamento: 03/05/2004; 1ª Turma Cível; Relator: HERMENEGILDO GONÇALVES; DJU: 01/06/2004 Pág.: 85; Decisão: CONHECER. DESPROVER. REJEITAR AS PRELIMINARES. UNÂNIME.) CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE PAGAMENTO E DE REPARAÇÃO DE DANOS - ARGÜIÇÃO PROCEDIDA GENERICAMENTE QUANTO ÀS QUESTÕES PRELIMINARES - NÃO-CONHECIMENTO - PRESCRIÇÃO - INOCORRÊNCIA - COMPRA E VENDA DE IMÓVEL POR MEIO DE INSTRUMENTO DE CESSÃO DE DIREITOS - RETOMADA PELA ANTIGA SHIS - HIPÓTESE DE EVICÇÃO - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO VALOR PAGO - IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. - A SIMPLES MENÇÃO, COM VAGA REFERÊNCIA, SEM QUALQUER SUSTENTAÇÃO, QUANTO ÀS PRELIMINARES AGITADAS EM 1º GRAU, NÃO É SUFICIENTE PARA QUE SEJAM ESTAS CONHECIDAS EM SEDE RECURSAL. - O PRECEITO JUDICIAL EXTINTIVO DO DIREITO DE AÇÃO, SENDO CASO DE AQUISIÇÃO IMOBILIÁRIA POR CESSÃO DE DIREITOS, EM QUE TERCEIRO TEVE ASSEGURADA A SUA POSSE, TRADUZ O INTERESSE DE NATUREZA PESSOAL, CUIDANDO A AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS COM BASE NO DIREITO DE EVICÇÃO, QUE TERÁ POR REGÊNCIA A REGRA GERAL (20 ANOS), TORNANDO DESPROPOSITADA A PRETENSÃO PRESCRITIVA PELO DECURSO DE PRAZO MENOR, AO VISO DE OUTRA HIPÓTESE LEGAL, INAPLICÁVEL À ESPÉCIE. - MOSTRA-SE IMPERTINENTE A PRETENSÃO QUANTO À RESTITUIÇÃO DE VALOR EQUIVALENTE AO PREÇO DO IMÓVEL, ALÉM DO PEDIDO DE REPARAÇÃO DE DANOS SE O AUTOR NÃO PRODUZ PROVA EFICAZ A RESPEITO DO PAGAMENTO DO QUANTUM PLEITEADO, COMO ASSINALADO NA EXORDIAL. (APC4800698, Relator DÁCIO VIEIRA, 5ª Turma Cível, julgado em 14/09/1998, DJ 07/04/1999 p. 37) Afasto, pois, a prejudicial de mérito. Quanto ao mérito, tenho que a sentença monocrática não está a merecer reparos. Peço vênia, pois, para transcrever a sua fundamentação: “A área transacionada faz parte de uma área maior, que foi vendida em partes para diversas pessoas, conforme se verifica da matrícula do imóvel, sendo o Autor um dos adquirentes. Assim, mesmo que não haja delimitação da área pertencente ao Autor, certo é que o mesmo é proprietário de dez hectares, seis ares e vinte e cinco centiares dentre da Fazenda denominada “Várzeas”, não sendo plausível justificar a perda do imóvel em razão do não exercício da posse. Outrossim, não negam os Réus que houve a venda também para a Sra. Marilene Faleiro Silva, cujo título não se encontra averbado na matrícula do imóvel, conforme documentos de fls. 136/152. Em razão de o Autor ter perdido o direito de posse do imóvel para uma terceira pessoa através de ação judicial, verifica-se a ocorrência da evicção, que se dá “quando terceiro – titular de direito com causa pré-existente ao negócio jurídico celebrado entre alienante e alienatário – se sagra vitorioso de uma intervenção a) expropriatória ou b) reivindicatória em face do comprador (aliena tório), subtraindo deste o direito de aquisição e removendo o efeito translativo de direito já verificado, ou tolhendo o comprador do exercício da posse do bem adquirido, obstruindo-lhe ulterior exercício de direito.” (Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, in Código Civil Comentado e Legislação Extravagante, 3ª edição, pág. 396). Dessa forma, devem os Réus responder pela evicção, nos termos do art. 447 do Novo Código Civil, tendo o Autor direito à restituição integral do preço pago pela compra do imóvel, procedendo-se, em conseqüência, á anulação da escritura pública para que retorne a situação ao seu estado anterior...” Afirmaram os apelantes que na matrícula do imóvel não consta o registro ou averbação de venda efetuada a Sra. Marilene Faleiro Silva. Compulsando os autos, verifico que tal informação não corresponde à realidade, eis que os registros de nº 105, 114 e 117, referem-se à aquisição de parte das terras pela Sra. Marilene, cujas respectivas escrituras são datadas de 09.12.1998. Em relação ao registro nº 105, a Sra. Marilene adquiriu parte das terras da pessoa de Eutildes Vilela Menegaz, que, por sua vez, havia adquirido de André Gil Teixeira Pires (Registro nº 72), que adquirira dos apelantes em 09.09.1983 (Registro nº 41) O registro de nº 114 noticia que a Sra. Marilene adquiriu partes das terras do casal Carlos Antônio Costa e Elza de Oliveira Costa, que, por seu turno, haviam adquirido dos apelantes (Registro nº 20), sendo que a escritura respectiva data de 15.12.1982. Por fim, no que concerne ao registro de nº 117, a Sra. Maria Olímpia Barbacena havia adquirido parte das terras dos apelantes (Registro nº 33), em 05.08.1983, propriedade que transferiu para a Sra. Marilene. A aquisição feita pelo apelado, conforme se verifica dos autos, ocorreu em 25 de fevereiro de 1985, ou seja, foi posterior à venda das parcelas posteriormente adquiridas pela Sra. Marilene. Assim, conforme reconhecido na sentença recorrida, sendo certo que o apelado adquiriu parte das terras e tendo perdido a posse de tal imóvel para terceira pessoa, caracteriza-se a evicção, mostrando-se correto o dispositivo da r. sentença. Por outro lado, a ausência de denunciação da lide, conforme vem reconhecendo a jurisprudência, não retira o direito à indenização em favor do comprador. Confira-se: "CIVIL E PROCESSO CIVIL. RELAÇÃO DE CONSUMO. INEXISTÊNCIA. INDENIZAÇÃO. DANO MATERIAL. EVICÇÃO. DIREITO DE REGRESSO. DANO MORAL. INEXISTÊNCIA. MERO ABORRECIMENTO. PRESCRIÇÃO. DECADÊNCIA. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. DESNECESSIDADE. 1. A primitiva relação existente entre as partes, subordinada à Lei do Consumidor, restou ofuscada em face da natureza civil da evicção, haja vista que a busca da tutela jurisdicional decorreu do prejuízo suportado pela indenização prestada a terceira pessoa, não em virtude da compra do bem. 2. Afasta-se, portanto, a aplicação da Lei nº 8.078/90 e, conseqüentemente, o prazo decadencial ali inserto. 3. As ações condenatórias, como a fundada no direito de regresso, sujeitam-se aos prazos prescricionais. 4. Responde pelos danos materiais aquele que não se eximiu expressamente do dever de garantir o comprador dos riscos da evicção. 5. Os dissabores experimentados no dia-a-dia, ainda que possam ganhar um contorno desagradável, não geram dano moral, pois inexiste violação a qualquer dos direitos da personalidade. 6. A falta de denunciação da lide não acarreta a perda da pretensão regressiva, mas apenas fica aquele que deveria denunciar e não o fez, privado da imediata obtenção de título executivo contra o obrigado regressivamente. 7. Recurso parcialmente provido." (Classe do Processo: Apelação Cível 20030110572886APC DF; Registro do Acórdão Número: 228371; Data de Julgamento: 08/08/2005; Órgão Julgador: 3ª Turma Cível; Relator: MARIO-ZAM BELMIRO; Publicação no DJU: 03/11/2005 Pág.: 87; Decisão: CONHECER E DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO. MAIORIA.) "DIREITO CIVIL. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL RURAL. EVICÇÃO PARCIAL CAUSADA POR ANTERIOR AÇÃO DEMARCATÓRIA E DIVISÓRIA. RECUPERA-ÇÃO DO PREÇO PROPORCIONALMENTE À REDUÇÃO DA ÁREA GEODÉSICA. 1 - O artigo 1.116 do Código Civil de 1916 (artigo 456 do CC/2002) não regula a hipótese por haver a aquisição do evicto ocorrido posteriormente à tramitação da ação que deu causa à evicção parcial. 2 - "O direito que o evicto tem de recobrar o preço, que pagou pela coisa evicta, independe, para ser exercitado, de ter ele denunciado a lide ao alienante, na ação em que terceiro reivindicara a coisa" (STJ, Terceira Turma, REsp nº 255639/SP, DJU 19/06/2000, p. 146). Apelação Cível parcialmente provida. Denunciação da Lide procedente." (Classe do Processo: Apelação Cível 20040150021857APC DF; Registro do Acórdão Número: 218978; Data de Julgamento: 16/05/2005; Órgão Julgador: Serviço de Recursos Constitucionais - SERECO; Relator: ANGELO PASSARELI; Publicação no DJU: 18/08/2005 Pág.: 136; Decisão: CONHECER. REJEITAR A PRELIMINAR. DAR PROVIMENTO PARCIAL NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR. UNÂNIME.) Com essas considerações, a responsabilidade dos apelantes pela evicção restou configurada, devendo a sentença permanecer incólume. Forte nessas razões, nego provimento ao recurso. É como voto. A Senhora Desembargadora Leila Arlanch – Vogal Com a Relatora. DECISÃO Conhecido, rejeitada a prejudicial de mérito, unânime, provido, maioria.

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