sexta-feira, 27 de março de 2009

Indenização Negada: Juiz cita Beatles e Rolling Stones e nega indenização a ex-vocalista do Ira!

As separações e brigas entre integrantes de uma banda são tradição no mundo do rock and roll. Esse foi o principal argumento utilizado pelo juiz Régis Rodrigues Bonvicino para negar um pedido de indenização feito por Nasi, ex-vocalista da banda Ira!, em ação que move contra o guitarrista Edgard Scandurra.Bonvicino, que integra a 1ª Vara Cível da Capital e também é escritor e poeta, citou o caso do fim dos Beatles para demonstrar como são comuns nesse meio os conflitos de vaidade e interesses.“Exemplo histórico é o que ocorreu com The Beattles, que se separaram litigiosamente em 1970. Houve guerra de palavras entre John Lennon e Paul McCartney ao longo de mais de uma década, sem qualquer reconciliação, até a morte de Lennon em 1980”, disse o juiz na sentença, proferida no mês de fevereiro.Na última sexta-feira (20/3), ele negou recurso de Nasi contra a decisão, e disse que o músico faria melhor se “gastasse seu tempo se dedicando à música”. Com o fim da bem sucedida banda de rock, que teve início nos anos 80, seus integrantes começaram uma batalha na Justiça, com diversas ações mútuas.Nasi, cujo nome verdadeiro é Marcos Valadão Rodolfo, acusa Scandurra de tê-lo ofendido moralmente, ao supostamente insinuar ao público de um show da banda que o vocalista não pode comparecer por ter sido hospitalizado em decorrência do uso excessivo de drogas. Ele pede indenização por danos morais no valor de R$ 40 mil, além de reparação material de R$ 18 mil.Rolling StonesApesar de ter ressaltado que não atribui a prática a Nasi, Bonvicino disse que o uso de drogas também é comum no mundo do rock e, por isso, dizer que alguém do meio é dependente não configura ofensa moral. Ele mencionou outro grupo famoso para justificar o ponto de vista.“Cito o exemplo de Keith Richards, dos The Rolling Stones, que é franco ao falar sobre suas dificuldades como usuário. Se Scandurra fez afirmações a esse respeito sobre Nasi elas só podem ser interpretadas neste contexto, do mundo da indústria do entretenimento”, argumentou o juiz, também na 1ª sentença.Por outro lado, o magistrado também negou pedido de indenização de Edgard Scandurra, que se sentiu ofendido com uma entrevista em que Nasi teria dito que uma música (Pobre Paulista) composta pelo guitarrista incita o preconceito contra nordestinos. Ele, por sua vez, pede R$ 50 mil de reparação.Os ex-companheiros de banda também estão envolvidos em outras disputas judiciais, pela dissolução do grupo. Nasi também processa seu irmão e ex-empresário Ayrton Valadão Jr., e é alvo de uma ação de interdição judicial movida por seu pai. Íntegra da sentençaTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULOCOMARCAForo Regional XI - Pinheiros1ª VARA CÍVELRua Jericó s/n, Sala A4/A5, Vila Madalena - CEP 05435-040, Fone: (11) 3815-0146, São Paulo-SP - E-mail: pinheiros1cv@tj.sp.gov.brSENTENÇACONCLUSÃOEm * de janeiro de 2009, faço estes autos conclusos ao MM. Juiz de Direito, Dr. RÉGISRODRIGUES BONVICINO. Eu,.................., Ricardo Takeshi Hoji, escrevente, subscrevi.Processo: 011.07.124086-0 - Indenização (ordinária)Requerente: Marcos Valadao RodolfoRequerido: Edgard Scandurra PereiraJuiz(a) de Direito: Dr(a). Régis Rodrigues BonvicinoVistos.Marcos Valadao Rodolfo, qualificado, propôs Ação de Indenização por DanosMorais e Materiais contra Edgard Scandurra Pereira, igualmente qualificado.Alega que o réu praticou danos morais ao dizer que o autor não compareceu à umaapresentação da banda Ira!, da qual ainda era integrante, porque: "Tudo estava correndo 'super bem',tudo estava normal e era mais um show do IRA! O Nasi não pôde vir... ele passou mal, infelizmente,na noite passada e teve que ser hospitalizado, mas estamos aqui... 25 anos de banda, para comemorarcom vocês o aniversário da cidade". Alega, ainda, que Scandurra praticou ilícito civil ao insinuar usoexcessivo de cocaína, que teria levado o ora requerente ao hospital, cunhando-o como irresponsáveldiante do público do grupo e em declarações para a imprensa. Acrescenta que houve repercussãonegativa e no meio artístico em geral. Declara-se ferido em sua honra e em sua credibilidade porque,na verdade, havia conflitos anteriores, documentados, que revelam um desentendimento objetivoentre as partes, motivo da ausência do ora autor e vocalista. Alega, portanto, para maior precisão, queo réu, guitarrista da banda, teria lhe causado danos morais quando, minutos antes da realização doshow marcado pra o dia 08.09.07, em Minas Gerais, anunciou ao público que o autor nãocompareceria mais ao evento por razões de saúde, e que essa informação teria repercutido de formanegativa para a imagem do cantor, o que causou o rompimento de contratos profissionais, motivopelo qual requer a indenização por danos materiais também. Afirma, ainda, que a conduta do réu aoavisar o público de que o vocalista da banda não compareceria ao show, invocando motivos de saúdeteve o intuito de prejudicá-lo, levando a crer que o problema de saúde que o autor enfrentara estavarelacionado com o seu vício em drogas, problema esse que estava superado pelo demandante.Pleiteia danos morais na casa de R$ 40.000,00 e danos materiais em R$ 18.000,00.Juntou documentos.Citado, o requerido contestou a fls. 99/117, juntado documentos. Apresentoureconvenção a fls. 190/202, com documentos. Alega que o reconvindo deu entrevista à Flash News,publicada em 12 de setembro de 2007, na qual disse que disse o seguinte de Scandurra: "esse canalhaTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULOCOMARCAForo Regional XI - Pinheiros1ª VARA CÍVELRua Jericó s/n, Sala A4/A5, Vila Madalena - CEP 05435-040, Fone: (11) 3815-0146, São Paulo-SP - E-mail: pinheiros1cv@tj.sp.gov.brvive agindo como uma Greta Garbo, exercitando seu poder para intimidar os outros". Alega tambémque não poupou seu irmão e empresário Airton Valadão, declarando que: "infelizmente, esse lixohumano é meu irmão e tentou montar um enredo a la Janet Clair para me prejudicar". Acrescenta que,em 14 de setembro de 2007, Nasi, o reconvindo, afirmou ao portal UOL que: "os músicos do IRA!perderam o valor moral de continuar com a banda devido às declarações recentes de EdgardScandurra e das atividades criminosas de Airton Valadão Junior. Prossegue dizendo que o reconvindoo ofendeu na imprensa do Paraná, por exemplo, com afirmações: "esse é o Edgard. É um grandeguitarrista. Só que a palavra dele vale tanto quanto uma nota de três reais". E assim por diante. Porfim, alega Scandurra, que, em entrevista à revista TRIP, Nasi, o reconvindo, "... Afirmou que amúsica 'Pobre Paulista', composta por Scandurra – que tem a seguinte letra: 'não quero ver mais essagente feia/ não quero mais ver os ignorantes/ eu quero ver gente da minha terra/ eu quero ver gente domeu sangue" – seria uma manifestação preconceituosa contra a imigração dos nordestinos para SãoPaulo, o que poderia ser considerado, no âmbito penal, como conduta criminosa". E assim por diante.Pleiteia R$ 50.000,00 a título de danos morais.Juntou documentos na Reconvenção.Houve réplica da ação a fls. 262/280, com documentos. Houve contestação àreconvenção a fls. 369/383, com documentos.Houve manifestação sobre os documentos da réplica a fls. 394/403. Houve réplicaa contestação apresentada na Reconvenção de fls. 190/202, a fls. 405/409.Este Juízo de Direito encerrou a instrução a fls. 410 e não houve agravo deinstrumento.As partes apresentaram alegações finais a fls. 416/437.É a síntese.Decido.Alega que o réu praticou danos morais ao dizer que o autor não compareceu à umaapresentação da banda Ira!, da qual ainda era integrante, porque: "Tudo estava correndo 'super bem',tudo estava normal e era mais um show do IRA! O Nasi não pôde vir... ele passou mal, infelizmente,na noite passada e teve que ser hospitalizado, mas estamos aqui... 25 anos de banda, para comemorarcom vocês o aniversário da cidade". Alega, ainda, que Scandurra praticou ilícito civil ao insinuar usoexcessivo de cocaína, que teria levado o ora requerente ao hospital, cunhando-o como irresponsáveldiante do público do grupo e em declarações para a imprensa. Acrescenta que houve repercussãonegativa e no meio artístico em geral. Declara-se ferido em sua honra e em sua credibilidade porque,na verdade, havia conflitos anteriores, documentados, que revelam um desentendimento objetivoentre as partes, motivo da ausência do ora autor e vocalista. Alega, portanto, para maior precisão, queo réu, guitarrista da banda, teria lhe causado danos morais quando, minutos antes da realização doshow marcado pra o dia 08.09.07, em Minas Gerais, anunciou ao público que o autor nãoTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULOCOMARCAForo Regional XI - Pinheiros1ª VARA CÍVELRua Jericó s/n, Sala A4/A5, Vila Madalena - CEP 05435-040, Fone: (11) 3815-0146, São Paulo-SP - E-mail: pinheiros1cv@tj.sp.gov.brcompareceria mais ao evento por razões de saúde, e que essa informação teria repercutido de formanegativa para a imagem do cantor, o que causou o rompimento de contratos profissionais, motivopelo qual requer a indenização por danos materiais também. Afirma, ainda, que a conduta do réu aoavisar o público de que o vocalista da banda não compareceria ao show, invocando motivos de saúdeteve o intuito de prejudicá-lo, levando a crer que o problema de saúde que o autor enfrentara estavarelacionado com o seu vício em drogas, problema esse que estava superado pelo demandante.As preliminares se confundem com o mérito e nele serão apreciadas.A ação e a reconvenção improcedem.Há dois fatos que levam à improcedência dos dois feitos. Primeiro, é da tradiçãodo rock and roll internacional peleja entre integrantes da mesma banda, por vaidade e/ou discordânciaeconômicas e pessoais. Exemplo histórico é o que ocorreu com The Beattles, que se separaramlitigiosamente em 1970. Houve guerra de palavras entre John Lennon e Paul McCartney ao longo demais de uma década, sem qualquer reconciliação, até a morte de Lennon em 1980. Toda dissoluçãode um grupo se inicia antes da dissolução formal, jurídica, e implica alguma agressividade, pelaprópria natureza da música e das performances públicas. Segundo, é da linguagem deste gêneromusical, hoje bastante popular e de massas, a inflexão direta, a espontaneidade, o palavrão, a gíriaetc. Não se pode exigir que, num divórcio, o casal se comporte com a serenidade da hora docasamento. Não se pode exigir nem de Nasi e nem de Edgard Scandurra que, num momento difícil,valham-se de palavras de salão.Este Juízo de Direito não faz qualquer acusação de uso de drogas às partes mas énotório que, em outras bandas, internacionais, o uso é generalizado. Em consequência, não há sequerconsiderar a hipótese de dano moral. Cito o exemplo de Keith Richards, dos The Rolling Stones, queé franco ao falar sobre suas dificuldades como usuário. Se Scandurra fez afirmações a esse respeitosobre Nasi elas só podem ser interpretadas neste contexto, do mundo da indústria do entretenimento.Não vislumbro qualquer ofensa nas entrevistas de Nasi e de Scandurra, porque discussões acaloradasfazem parte da estética do gênero por eles abraçado.Dou um exemplo:Qualquer canção pode ser interpretada livremente: não se pode reinstituir acensura mesmo e sobretudo no mundo da cultura de massas. O que deveria haver é o exercício dacrítica e da auto-crítica, como ocorre mais no mundo das artes eruditas. A indústria do entretenimentotem mais rompantes de atitudes do que espírito crítico e é eminentemente coloquial, direta, porquevisa a atingir consumidores adolescentes e menos letrados, em momentos de lazer. Seu principalobjetivo é vender e, por isso, reduz a qualidade de seu repertório, o que o inscreve, repito, numâmbito no qual pequenas ofensas não são ofensas, embora pareçam ofensas mas não o são. Situaçõessemelhantes ocorrem numa partida de futebol.No caso concreto, depois de 26 aos juntos, posso entender as palavras proferidaspor um e por outro: estão marcadas pela mágoa, pelo ressentimento, pelo desentendimento etc. Nãohá como condenar dois ex-amigos a danos morais. Por outro lado, a Justiça não pode se deixarTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULOCOMARCAForo Regional XI - Pinheiros1ª VARA CÍVELRua Jericó s/n, Sala A4/A5, Vila Madalena - CEP 05435-040, Fone: (11) 3815-0146, São Paulo-SP - E-mail: pinheiros1cv@tj.sp.gov.brinstrumentalizar. Dou outro exemplo. Na França, o grupo de hip-hop La Rumuer, liderado por Hamé,de negros, trava batalhas judiciais pela liberdade de expressão contra o presidente daquele país. Casobastante diverso do dos autos. Aqui, o desentendimento entre Nasi e Scandurra sequer ultrapassa oslimites da cultura do rock e limites de subjetividades muito sensíveis.Não há dolo em nenhuma das frases de Nasi e de Edgard Scandurra: existe umatroca de palavras próprias para o gênero musical e para um momento de dissolução de sociedade. Nãoexiste também ilícito civil. Entendo que são inerentes à dissolução e suas implicações econômicas,sem maiores consequências para ambas as partes.Entendo pois que não houve dano direito e efetivo praticado pelas partes. Leia-se aseguinte ementa: "Somente danos diretos e efetivos, por efeito imediato do ato culposo, encontram noCódigo Civil suporte de ressarcimento. Se dano não houver, falta matéria para a indenização. Incertoe eventual é o dano quando resultaria de hipotético agravamento da lesão (TJSP – 1ª C. – Ap. – Rel.Octávio Stucchi – j. 20.8.85 – RT 612/44).Scandurra não acusou Nasi de uso de drogas e tinha que dar uma satisfação sobresua ausência no show. Por outro lado, as palavras de Nasi são perfeitamente lícitas dentro do contextoda separação do grupo. Ele pode interpretar como quiser qualquer letra de música. O dano moralprecisa ser lido em seu contexto, como é da tradição da jurisprudência do Tribunal de Justiça doEstado de São Paulo. No máximo, poder-se-ia falar em culpa concorrente levíssima: Nasi e Scandurraestavam tensos com a situação do IRA!, o que descaracteriza até a culpa levíssima.Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE a ação e JULGOIMPROCEDENTE a reconvenção, com base no artigo 269, inciso I, do CPC. Sucumbênciarecíproca.P.R.I.C.São Paulo, 10 de fevereiro de 2009.
William Maia (Revista Última Instância) E ACARVALHO.

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