quarta-feira, 25 de março de 2009

TJMG: USUCAPIÃO E IPTU


Número do processo:
1.0024.00.033864-0/001(1)
Relator:
RENATO MARTINS JACOB
Relator do Acordão:
RENATO MARTINS JACOB
Data do Julgamento:
18/12/2008
Data da Publicação:
10/03/2009
Inteiro Teor:

EMENTA: USUCAPIÃO CONSTITUCIONAL URBANA. RECONHECIMENTO DA PROPRIEDADE EM FAVOR DO AUTOR. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS CONTIDOS NO ARTIGO 183 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PAGAMENTO DO IPTU. IRRELEVÂNCIA. Para que se adquira o domínio, via usucapião, deve ficar comprovada a presença concomitante de três elementos, quais sejam, a posse, o tempo e a coisa hábil. Além dos requisitos gerais, a aquisição do imóvel urbano, via usucapião, exige, ainda, que a parte demonstre a presença de requisitos específicos, a saber: a) que o bem usucapiendo possui área inferior a 250m²; b) que a posse é exercida há mais cinco anos de forma ininterrupta e sem oposição; c) que o bem é utilizado para sua própria moradia ou de sua família; d) que não possui nenhum outro imóvel, seja rural ou urbano, em seu nome. Evidenciados todos esses elementos, deve ser reconhecida a propriedade em favor da requerente, mesmo porque o simples pagamento do IPTU pelos antigos proprietários, por se tratar de mera formalidade tributária, não tem o condão de afastar a pretensão autoral.
APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0024.00.033864-0/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - APELANTE(S): ONOFRE PIRES DA CUNHA E OUTRO(A)(S) - APELADO(A)(S): MARIA DA CONCEIÇÃO OLIVEIRA - RELATOR: EXMO. SR. DES. RENATO MARTINS JACOB
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 14ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM NEGAR PROVIMENTO.
Belo Horizonte, 18 de dezembro de 2008.
DES. RENATO MARTINS JACOB - Relator
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
O SR. DES. RENATO MARTINS JACOB (CONVOCADO):
VOTO
ONOFRE PIRES DA CUNHA e MARIA HELENA DE OLIVEIRA CUNHA interpõem recurso de apelação contra a respeitável sentença de fls. 376/383, que julgou procedente o pedido formulado na ação de usucapião ajuizada por MARIA DA CONCEIÇÃO OLIVEIRA, para declarar o domínio da autora sobre a área descrita na planta de fl. 10, no memorial descritivo de fl. 11 e no laudo pericial de fls. 229/234.
O MM. Juiz condenou os recorrentes, ainda, ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais), suspensa, contudo, a exigibilidade em razão da gratuidade judiciária.
Nas razões de fls. 386/386, os apelantes alegam que o lote 06 não pode ser usucapido pela autora, porquanto, além de terem-no adquirido com justo título, sempre o utilizaram para plantação de milho e criação de animais.
Acrescentam, também, que, por diversas vezes, solicitaram, sem êxito, à apelada que saísse do referido bem.
Prosseguem afirmando que, por tal motivo, a posse da apelada não pode ser tida como mansa e pacífica, salientando, na seqüência, que ainda são os responsáveis pelo pagamento do IPTU.
Requerem, ao final, ou a improcedência do pleito autoral.
Contrariedade recursal deduzida às fls. 103/111, em que a apelada pugnou pela confirmação da sentença.
No parecer de fls. 401/404, a douta Procuradoria-Geral de Justiça opinou pelo desprovimento do apelo.
Determinado o retorno dos autos à comarca de origem, a curadora especial, em sede de contra-razões (fls. 424/426), postulou a reforma do decisum.
Na petição de fl. 429, pugnou a apelada pelo retorno dos autos à comarca de origem, para que o Juiz se pronunciasse acerca da possibilidade de registro dos lotes 05 e 07, os quais não foram objeto de recurso.
Às fls. 433/438, a Procuradoria-Geral de Justiça interveio novamente nos autos, oportunidade em que reiterou os termos do parecer anterior, bem como se manifestou contrariamente ao pedido de fl. 429.
Recurso regularmente processado, dispensado o preparo em virtude da gratuidade judiciária.
A meu ver, o pedido feito à fl. 429 não pode ser objeto de análise por esta Turma Julgadora, pois se trata de questão afeta à própria execução do julgado, cuja competência refoge a este Tribunal, incumbindo à autora formulá-lo, na via adequada, ao Juiz de primeiro grau.
Ultrapassada tal premissa, conheço do recurso, eis que presentes os pressupostos de admissibilidade.
Embora por fundamento diverso, entendo que a sentença ora guerreada não merece qualquer reparo, tendo conferido o correto desate à lide.
Cinge-se a controvérsia recursal em verificar se a autora preenche os requisitos necessários à aquisição, via usucapião, de parte dos lotes de nº 05, 06 e 07, localizados na quadra 120, do Bairro Saudade, em Belo Horizonte.
Como cediço, para que se adquira o domínio, via usucapião, deve haver a conjugação de três elementos, quais sejam, a posse, o tempo e a coisa hábil.
In casu, a autora fundamenta seu pleito no artigo 183 da CR/88, o qual peço vênia para transcrever:
Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
Da leitura atenta do mencionado dispositivo, constata-se que, para a aquisição do imóvel urbano, é imprescindível que a parte comprove, além dos pressupostos gerais alhures discriminados, outros requisitos específicos, inerentes à usucapião constitucional, a saber: a) que o bem usucapiendo possui área inferior a 250m²; b) que a posse é exercida há mais cinco anos de forma ininterrupta e sem oposição; c) que o bem é utilizado como moradia da requerente ou de sua família; d) que não possui nenhum outro imóvel, seja rural ou urbano, em seu nome.
Com efeito, o laudo pericial (fl. 231) revelou, de forma detalhada, que a área ocupada pela apelada é de apenas 77,80 m² e está localizada em parte dos lotes 05, 06 e 07, tal como descrito na exordial. De outro vértice, a autora juntou aos autos a planta e memorial descritivo, que permitem identificar, com precisão, o imóvel objeto da lide.
O farto anexo fotográfico (fls. 240/248) demonstrou que a autora reside no local, juntamente com seus filhos, e que as benfeitorias foram construídas há aproximadamente dez anos (fl. 232).
A prova oral colhida, além de corroborar o laudo pericial, colocou em evidência os demais requisitos exigidos para a configuração da usucapião constitucional.
Não se pode descurar que a posse ad usucapionem exige da parte a comprovação do animus domini, consoante leciona Caio Mário da Silva Pereira:
"A posse ad usucapionem é aquela que se exerce com intenção de dono, com animus domini. Este requisito psíquico de tal maneira se integra na posse, que adquire tônus de essencialidade. De início, afasta-se a mera detenção, pois não se confunde ela com a posse, uma vez que lhe falta a vontade de tê-la. E exclui igualmente, toda posse que não se faça acompanhar da intenção de ter a coisa para si, como por exemplo a posse direta do locatário, do usufrutuário, do credor pignoratício, que, tendo embora o ius possidendi, que os habilita a invocar os interditos para defesa de sua situação de possuidores contra terceiros e até contra o possuidor indireto, não têm nem podem ter a faculdade de usucapir." (in: Instituições de Direito Civil - Direitos reais, 18. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003, v. 4, p. 140).
Nesse aspecto, as testemunhas foram uníssonas em afirmar que a apelada reside no imóvel há mais de cinco anos, sem qualquer oposição, de forma mansa e pacífica.
A testemunha Elísio Lage asseverou à fl. 361 que:
"(...) conhece a autora a (sic) quarenta e um anos ocupando o imóvel usucapiendo; que a posse da autora sempre foi mansa e pacífica (...)".
Neste mesmo sentido, são os depoimentos das testemunhas José Feliz dos Santos e Carlos Ubaldo, respectivamente:
"(...) que conhece a autora morando no imóvel usucapiendo a (sic) mais de 40 anos; que o marido da autora lutou com dificuldades para construir ali no local; que a posse desta sempre foi tranqüila e pacífica (...)" (fl. 362).
"(...) que se recorda que Onofre comprou este lote a (sic) cerca de dezessete anos; que, quando comprou a autora já morava ali no local; que a autora sempre foi respeitada ali como dona da parte que ocupa; que quando Onofre comprou já tinha uma cerca na parte do terreno (...) que entretanto a parte ocupada por dona Maria Conceição não é usada por Onofre (...)" (fl. 365).
De outro lado, os apelantes não demonstraram, sequer por testemunhas, que a posse da autora fosse injusta ou violenta, tampouco que ocorrera por ato de mera liberalidade. Descumprido tal ônus (artigo 331, inciso II, do Código de Processo Civil), é de se reconhecer a propriedade da apelada.
Forçoso consignar que os réus, ora recorrentes, também não lograram êxito em provar que a apelada possui qualquer outro bem em seu nome, prevalecendo, pois, a afirmação feita na peça inicial.
Por fim, assinalo, ainda, que, como a posse é uma questão de fato, o simples pagamento do IPTU pelos recorrentes, por se tratar de mera formalidade tributária, não tem o condão de afastar a pretensão autoral.
Assim, sob todos os ângulos que se examine, não há como acolher a irresignação recursal.
CONCLUSÃO
Com tais considerações, deixo de analisar o pedido de fl. 429 e nego provimento ao recurso de apelação.
Custas recursais, pelos apelantes.
Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): ROGÉRIO MEDEIROS e EVANGELINA CASTILHO DUARTE.
SÚMULA : NEGARAM PROVIMENTO.
FONTE: TJMG.

Um comentário:

  1. Querido Mestre, muito bom compartilhar seus conhecimentos num blog. Encontrei aqui o que procurada: Usucapião e IPTU. Justamente o questionamento de um cliente.

    muito obrigada

    Eliana Leão

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